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Propaganda de Israel sai pela culatra e reforça privação humanitária em Gaza

11 de junho de 2025, às 06h00

Protesto contra o sequestro da tripulação do barco humanitário Madleen, parte da Flotilha da Liberdade pelo fim do cerco a Gaza, por forças israelenses em águas internacionais, na cidade de Toronto, Canadá, em 9 de junho de 2025 [Mert Alper Dervıs/Agência Anadolu]

“Todos os ageiros do ‘iate da selfie’ estão ilesos e seguros. Receberam sanduíche e água. O show acabou”, alegou na segunda-feira (9) o Ministério de Relações Exteriores de Israel em postagem no Twitter (X). As imagens de comandos israelenses entregando lanches e garrafas de água aos 12 ativistas a bordo do barco Madleen, parte da Flotilha da Liberdade, circularam online. Os tripulantes, todavia, não ando fome, como é o caso das famílias palestinas sob cerco e genocídio e Gaza.

Se Israel pretendia que sua suposta gentileza tivesse impacto, de fato conseguiu, muito embora não da forma que a entidade colonial ansiava. A conquista da ocupação foi, no entanto, consolidar a atenção global à privação de insumos humanitários imposta aos palestinos carentes na Faixa de Gaza.

O Madleen, insistiu a chancelaria, tinha “menos de um carga em ajuda”, enquanto Tel Aviv teria permitido a entrada “mais de 1.200 caminhões” a Gaza na última quinzena, junto da chamada Fundação Humanitária de Gaza. Se desejam estatísticas, em janeiro de 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 600 caminhões seriam necessários diariamente apenas para começar a aliviar o sofrimento imposto por Israel no território ocupado.

Israel não parece entender protesto ou mesmo simbolismo. Longe de malsucedida, a jornada expôs o bloqueio de rotina tão comentado por diplomatas da maneira mais vã e vaga possível. Por um lado, vemos uma medida ponderada, uma que não deve exigir reveses diplomáticos da comunidade internacional. Contudo, no plano de fundo, uma outra se enraíza na psiquê global: o genocídio continua. O ataque ao Madleen apenas retomou o enfoque a Gaza, ao expôs vários graus de terrorismo de Estado com raízes profundas na diplomacia e na política israelense. No silêncio, resta ainda violência — a cumplicidade global para com o genocídio.

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Para uma dúzia de ativistas, com suas próprias provisões, sanduíches e água; para os palestinos, fome, mercenários e chacinas sob verniz humanitário. Ao mesmo tempo, Israel é uma fachada e uma realidade. Desta vez, a fachada expôs a verdade. Enquanto as imagens divulgadas geraram não mais do que chacota, a indignação frente à fome e ao genocídio em Gaza voltou à tona. Ninguém se esquecerá de que, enquanto Israel enaltecia a Fundação Humanitária de Gaza, centros de distribuição de alimentos se tornaram postos de franco-atiradores e zonas de tiro à queima-roupa. É claro, ninguém se esquecerá como Israel permanece decidido a matar de fome os palestinos, de modo declarado, desde o começo de suas operações.

Reações ao genocídio têm várias facetas. Líderes globais não fizeram nada para parar Israel, mas tudo em seu poder para permitir que a entidade colonial obtivesse sucesso. Por exemplo, ao falar de ajuda humanitária enquanto continuam a fornecer e comprar armas israelenses. A atenção da sociedade civil, porém, está nos palestinos, ao ampliar a dissonância entre o povo e o poder. Os palestinos enfrentam o peso de quase todo o mundo contra sua existência, pois Israel não opera no vácuo.

A fome é algo tangível, não importa o quanto o regime israelense e seus aliados globais busquem normalizá-la — como ocorre com a expansão ilegal dos assentamentos. A captura do barco Madleen por Israel registrou, contudo, uma verdadeira epifania na mente das pessoas — é o colonialismo quem decide quem merece comer. Estrangeiros são dignos de um lanche. Os palestinos não.

Um comboio por terra segue neste momento rumo a Gaza, em outra missão simbólica pelo fim do cerco. Está claro que as pessoas decidiram tomar em suas próprias mãos a iniciativa que a governança internacional se nega a assumir.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.