Em uma onda de apreensão nacional e internacional, o Brasil se encontra no âmago de uma crescente condenação global contra Israel, após o sequestro do conhecido ativista Thiago Ávila, em águas internacionais. Ávila estava a bordo da embarcação humanitária Madleen, parte da Flotilha da Liberdade, interceptada pela Marinha israelense rumo a Gaza. A missão era entregar ajuda humanitária urgentemente necessária — alimentos, água e suprimentos médicos — e demonstrar solidariedade com os palestinos sitiados há mais de 17 anos em Gaza, submetidos há um brutal genocídio há 600 dias.
Integravam a tripulação doze indivíduos de vários países, incluindo o brasileiro Ávila e a proeminente ativista sueca Greta Thunberg. Seu sequestro reacendeu uma indignação global, junto de questões sobre as persistentes restrições israelenses a qualquer o humanitário a Gaza.
O Ministério de Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) respondeu na manhã seguinte com um comunicado reivindicando soltura imediata dos detidos. A chancelaria reiterou então apoio ao princípio de liberdade de navegação em águas internacionais e pediu a Israel que cumprisse suas obrigações legais como potência ocupante, como ao remover todas as restrições ao o humanitário no território palestino.
Brasília insistiu ainda que suas embaixadas na região permanecem alertar para prover assistência consular, “se necessário”, conforme a Convenção de Viena.
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A detenção de Ávila incitou uma nova onda de protestos e solidariedade. Organizações da sociedade civil, ativistas e políticos condenaram a ação israelense. Mobilizações de massa e campanhas online emergiram sob hashtags como #FreeTheMadleenCrew — “Libertem a tripulação do Madleen” — e #SolidarityWithGaza, incluindo em português. Para muitos brasileiros, o incidente não é apenas uma ataque a um concidadão como um novo teste a seu governo sobre a lei internacional, os direitos humanos e um senso de responsabilidade humanitária.
Este ataque ganhou contornos de inflexão, ao intensificar os chamados brasileiros por proteção a trabalhadores humanitários e para que a comunidade internacional reaja, com clareza moral e urgência, à deterioração da crise em curso em Gaza.
Entrevistei Thiago Ávila em agosto último, quando retornou brevemente ao Brasil após a flotilha realizar uma parada para reparos técnicos. Falou com firmeza: “Navegaremos até que a Palestina seja livre”.
Quando conversei com ele novamente na semana ada, a bordo do Madleen, Ávila se mostrou cheio de energia e motivação, expressando sonhos de enfim chegar a Gaza, mesmo que as bombas de Israel continuassem a cair. “Estamos agora navegando com ativistas de diversas nacionalidades, unidos na esperança e na solidariedade”, reiterou. “À medida que uma fome catastrófica continua a se impor a Gaza, provas da violência hedionda das forças israelenses em Gaza não param de surgir. Este genocídio cometido por Israel, com o apoio dos Estados Unidos, segue com impunidade. O poder popular é tão integral a esta causa como sempre foi. Cabe a nós construir um novo mundo”.
Com mais de 860 mil seguidores no Instagram, Ávila ou os últimos 19 anos lutando pelo que chama de “sociedade do bem-viver” — um mundo enraizado em justiça social e econômica, equilíbrio ambiental e solidariedade. Nos meses recentes, concentrou-se em amplificar as vozes palestinas e mobilizar apoio pelo fim da ocupação.
Seu compromisso não prescindiu de sacrifícios. Deixou no Brasil sua filha de apenas um ano, Teresa, para se juntar à missão. “Quando saí de casa, meus olhos se encheram de lágrimas, pensando que eu não poderia não estar com Teresa para vê-la crescer, neste começo da sua vida”, comentou. “Sempre me abala que tenho de estar longe para que possamos cumprir nossa missão, juntos, para garantir que todas as crianças do mundo tenham, um dia, o mesmo sonho de vida que ela pode ter. Faço isso por solidariedade com todas as mães e pais de Gaza, que amam seus filhos tanto quanto amo Teresa. Foi por isso que aceitei essa missão”.
Ávila sabe dos riscos. Não ignorou o ataque letal de Israel ao barco Mavi Marmara, em 2010, quando agentes da ocupação invadiram a flotilha humanitária também em águas internacionais, matando nove ativistas e detendo centenas. “Estamos cientes de todos os perigos. Mas chegar em Gaza é nosso dever”, reafirmou. “É preciso que as pessoas tomem a dianteira, a vanguarda, e assumam seus papéis e riscos conscientes de que é, em último caso, em benefício de toda a humanidade”.
Apesar dos temores, flotilhas como o Madleen devem continuar a desafiar o embargo. Cada jornada é um ato de resistência, uma prova da resiliência e do espírito inabalável daqueles que acreditam na justiça, nos direitos humanos e, portanto, na Palestina livre. Ávila permanece encarcerado por Israel — cidadão estrangeiro e preso político. Ações de todo mundo tomam corpo, agora, por sua libertação e de todos os oprimidos.
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