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Quando a consciência navega e a lei afunda: A ilegalidade da interceptação do Madleen

10 de junho de 2025, às 14h00

Embarcações e lanchas da Marinha israelense são vistas na costa de Ashdod enquanto o navio Madleen, pertencente à Coalizão da Flotilha da Liberdade (FFC) e transportando 12 ativistas de direitos humanos, deve ser levado ao Porto de Ashdod após ser interceptado por Israel em 9 de junho de 2025. [Tsafrir Abayov/ Agência Anadolu]

Mais uma vez, o chamado “exército mais moral do mundo” demonstra sua força, não contra uma ameaça militar ou combatentes armados, mas contra uma pequena embarcação humanitária repleta de consciência e compaixão.

O Madleen não transportava mísseis, nem drones, apenas sacos de arroz, leite em pó para bebês e próteses destinadas aos feridos de guerra de Gaza. No entanto, na narrativa oficial israelense, essa missão pacífica foi considerada uma “provocação política” e uma “operação ilegal”.

A bordo estavam um deputado em exercício do Parlamento Europeu, ativistas ambientais internacionalmente reconhecidos, jornalistas respeitados e representantes de organizações humanitárias. Ainda assim, a Marinha israelense interceptou o navio em águas internacionais, deteve todos a bordo e cortou sua comunicação com o mundo exterior, um ato que lembra mais a pirataria medieval do que um Estado que alega defender o direito internacional.

Surge então a pergunta: quem está realmente infringindo a lei? São os defensores dos direitos humanos que buscaram entregar ajuda a uma população sitiada, faminta e ameaçada de aniquilação por mais de dezessete anos? Ou são as forças militares que violam a liberdade de navegação, obstruem a assistência humanitária e impõem punições coletivas a mais de dois milhões de civis?

De acordo com o direito internacional e os princípios básicos da justiça, a resposta é clara. O bloqueio imposto a Gaza foi considerado uma violação do direito internacional humanitário, conforme confirmado por um relatório de apuração de fatos das Nações Unidas após o incidente de Mavi Marmara. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha descreveu o bloqueio como uma forma de punição coletiva, explicitamente proibida pela Quarta Convenção de Genebra. Além disso, a fome deliberada de civis e a obstrução da ajuda humanitária, práticas documentadas em Gaza, são classificadas como crimes de guerra pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.

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A liberdade de navegação também está consagrada no direito internacional. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, afirma que o alto mar está aberto a todos os Estados, e cada Estado tem o direito de navegar livremente com embarcações sob sua bandeira. A interceptação de Madleen em águas internacionais é uma violação flagrante desses direitos e não pode ser justificada por nenhuma norma jurídica.

O fornecimento de ajuda humanitária não é apenas moralmente necessário, mas também legalmente obrigatório. A Quarta Convenção de Genebra obriga a livre agem de alimentos, suprimentos médicos e outros itens essenciais de ajuda às populações civis. A recusa arbitrária de tais remessas constitui uma violação do direito humanitário. A Flotilha da Liberdade, portanto, não é uma provocação, como alega Israel, mas um ato de solidariedade legítimo e eticamente fundamentado com um povo sitiado.

O Madleen não era um navio de guerra. Era uma declaração de consciência flutuante. A bordo estavam figuras como Greta Thunberg, a renomada ativista ambiental; Rima Hassan, a deputada franco-palestina do Parlamento Europeu; e Omar Faiad, jornalista da Al Jazeera Mubasher. Sua presença desmantela a narrativa israelense e revela um regime de ocupação tão ameaçado pela solidariedade pacífica que responde com violência.

A história de romper cercos para entregar ajuda é longa e honrosa. Do Iêmen e Sri Lanka ao Kosovo, Timor Leste e até mesmo à Europa durante a Segunda Guerra Mundial, embarcações civis desafiaram bloqueios para levar alívio às populações em sofrimento. A história lembra aqueles que agiram com coragem e compaixão e condena aqueles que impam restrições desumanas.

O que Israel considera “ilegal” é, na verdade, legalmente justificado e moralmente essencial. O que ele rotula de “legal” é, na realidade, um crime contínuo contra um povo já devastado.

Madleen é mais do que um navio. É um símbolo de resistência. Uma luz em águas escuras. A prova de que a consciência global, embora abalada, não está morta.

A legitimidade não reside naqueles que extinguem a vida, mas sim naqueles que se esforçam para protegê-la e restaurá-la.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.