A política do jardim de infância raramente é edificante e crianções trocando socos não costuma interessar. Contudo, quando os personagens em questão são o presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o homem mais rico do mundo, a coisa muda de figura. Suas disputas são fadadas à larga escala, com graves consequências.
Não era preciso bola de cristal para antever o amargar da relação dentre Trump e Elon Musk. Egos ruidosos e grosseiros formaram uma união rançosa na política americana, com Musk emprestando recursos e maquinário público, sabendo bem de seu quid-pro-quo como “funcionário especial do governo”. Musk assumiu influência ao estabelecer o DOGE — ou Departamento de Eficiência do Governo —, uma tentativa rudimentar de corrigir supostos mau-gastos do governo, ao influenciar serviços públicos em benefício de seus próprios interesses. Ao despertar de seu torpor narcótico, Musk decidiu enfim se concentrar em suas companhias que hoje naufragam, sobretudo a Tesla, ao deixar o inferno em que se meteu. Ao fazê-lo, prometeu “continuar amigo e conselheiro, e, se o presidente quiser alguma coisa de mim, estarei à disposição”. Dado o caos da política trumpista, a cordialidade certamente não durou.
Por um lado, as isenções fiscais e o aumento nos gastos militares propostos por Trump, junto de seu chamado One Big Beautiful Bill Act, pareciam lesar a própria premissa do DOGE, com sua missão estoica de austeridade. O plano promete cortar US$1.5 trilhão do orçamento público para aumentá-lo então em US$4 trilhões. “Fiquei decepcionado com essa lei de gasto massivo, para ser honesto”, lamentou Musk em entrevista à CBS Sunday Morning no último mês. “Este plano inflou, e não reduziu, o orçamento. Acho que uma lei pode até ser grande ou maravilhosa. Mas difícil ser os dois”.
Semanas depois, Musk se mostrou mais irascível. “Desculpe, não posso ar mais”, uivou em sua plataforma X — antigo Twitter —, em 3 de junho. “Este projeto de gastos ultrajante, massivo e fisiológico do Congresso é uma abominação asquerosa”, insistiu, ao atacar os parlamentares eleitos. “Vocês que votaram para isso: sabem que fizeram errado. Sabem muito bem”.
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Em 5 de junho, Trump expressou desapontamento, “porque Elon sabia do trabalho de bastidores que fizemos com essa lei”. Sua declaração sugeriu uma questão de ego. De acordo com Trump, Musk “apenas achou um problema quando soube que teríamos de cortar o mandato de seus veículos elétricos”.
Um golpe se consolidou, na forma de uma postagem na rede social de Trump, a Truth Social: “A forma mais fácil de poupar dinheiro em nosso orçamento — bilhões e bilhões de dólares — é encerrar os subsídios e contratos do governo com Elon. Me surpreende que Biden [Joe, ex-presidente] nunca fez isso”. Musk reagiu com rancor: “É obviamente mentira. É muito triste”. Então, diante do anúncio presidencial, sugeriu cortar contratos da aeronave Dragon, de sua Space X, junto da NASA, para transportar astronautas com origem ou destino à Estação Espacial Internacional.
Soco a soco, ficou violento.
Musk decidiu então jogar uma “bomba bem grande”, ao confirmar que Trump estaria nos chamados “arquivos Epstein — a verdadeira razão pela qual estes não se tornaram públicos”. Dada a relação estranha de ambos com a realidade e suas facetas, demanda-se ainda uma pitada de sal. Todavia, é de conhecimento comum que Trump, bem como um grande quem-é-quem das elites americanas, convivia há anos com Jeffrey Epstein, bilionário condenado por pedofilia.
O baú de documentos de Estado conhecido como Epstein Files até então proporcionou polêmica, mas pouquíssimas detonações. Em 27 de fevereiro, a procuradora-geral dos Estados Unidos, Pamela Bondi, divulgou o que caracterizou como “primeira fase” dos arquivos, referente ao oligarca e “sua exploração de mais de 250 meninas menores de idade em suas casas em Nova York e na Flórida, entre outras lugares”. Em entrevista à rede supremacista Fox News, seis dias antes, Bondi confirmara que a lista de clientes de Epstein estaria “em sua mesa”.
A reação de Trump aos recentes esboços de acusação deferidos por Musk foi quase de dar pena. “Não me importo que Elon se vire contra mim, mas deveria ter feito isso há meses”. Então, seguiu a enaltecer “um dos maiores projetos de lei jamais apresentados na história do Congresso”.
Em sua típica molecagem, Musk retrucou ao compartilhar uma postagem em apoio ao impeachment de Trump, para ser substituído por seu vice-presidente J.D. Vance, que supostamente representaria “um novo partido na América, que representa de verdade 80% das pessoas comuns”, bem como ao prever “uma recessão no segundo semestre”, causada precisamente pelo regime de tarifas instituído por Trump.
No grande esquema das coisas, no entanto, Trump não somente sobreviveu, como saiu mais forte, de impeachments e litígios, coroado por um eleitorado dividido que lhe deu o voto popular pela primeira vez. Como um mafioso de plástico laranja, comprometer pessoas se tornou sua arte. Para Musk, desacreditado por seu apoio e suas vacilações, sobra apenas uma opção: ceder barulhento em sua noite confusa.
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