O genocídio promovido por Israel em Gaza tem braços no Brasil através dos lobbies sionistas que procuram justificá-lo e que, quando incomodados pela crítica à ocupação da Palestina, tentam desqualificar e criminalizar quem critica.
Em relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) sobre violência contra os profissionais de imprensa registradas em 2024, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e Grupos pró Israel figuram na lista de agressores em quatro casos descritos, com 2.78% de participação. Agora, esses lobbies tentam usar as estruturas do Estado brasileiro para tentar conter a indignação generalizada contra os crimes de Israel em Gaza.
Apresentado na Câmara dos Deputados pelo senador Panzuelo, ex-ministro do então presidente Jair Bolsonaro e atual senador pelo PL, o Projeto de Lei 472/25 prevê a adoção, no território nacional, da definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês). Em tese, o projeto veda a distorção, a negação, o relativismo ou revisionismo histórico do Holocausto, mas na verdade procura impor ao Brasil um texto elaborado pelo movimento sionista internacional criando brechas para condenar as criticas a Israel e às suas instituições mundo afora.
O mesmo texto elaborado em 2016 já foi tornado lei em 31 países, a pretexto de combater o antissemitismo. Na prática, virou instrumento para a repressão a jovens que se levantam em solidariedade à Palestina e pedem o fim do genocídio.
O próprio general autor do projeto observa que “qualquer atitude que, de forma direta ou velada, questione a legitimidade do Estado de Israel ou minimize a gravidade do Holocausto será tratada com rigor, coibindo práticas discriminatórias”.
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Em sessão realizada nos dias 5 e 6 de junho, o Conselho Nacional de Direitos Humanos discutiu os riscos da aprovação do projeto e refutou essa confusão maliciosa entre a lembrança dos crimes contra judeus e a tentativa de blindar Israel das críticas. “O Estado de Israel não se confunde com o povo judeu” alerta o Conselho, observando que “ existe hoje uma tentativa de enquadramento de toda crítica ao Estado de Istrael e suas políticas e ações direcionadas aos palestinos e aos seus territórios ocupados, como antissemitismo”.
O colegiado alertou para “manobras diversionistas que deslocam a discussão” e decidiu publicar uma Nota Técnica em que se posiciona firmemente contra o projeto de imposição do texto da IHRA à sociedade brasileira e pede sua rejeição no Congresso. .
Críticas ao Estado de Israel , afirma o Conselho, não podem ser consideradas como antissemitas, mas sim livre exercício de liberdade de pensamento e debate democrático quanto a fatos públicos e notórios.
A censura por intimidações e via judicial
O relatório apresentado pela Fenaj diz respeito aos registros de 2024 e indicam que as pressões contra a liberdade de informação sobre os crimes de Gaza vão da intimidação pessoal às vias judiciais.
A Fenaj documenta o caso do jornalista Andrew Fishman, do Intercept Brasil, que na semana de 19 a 24 de fevereiro, recebeu e-mails com ameaças relativas a matérias sobre a ação de Israel na Faixa de Gaza. O texto dizia: “Vamos erradicar a presença dos insetos palestinos, muçulmanos e cristãos de Gaza e de Judeia e Samaria e faremos a Grande Israel. Ninguém vai nos impedir, nem você que lê isso.” O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e a FENAJ divulgaram nota cobrando ação das autoridades.
Outro caso é o que envolve ataques ao jornalista Juca Kfouri por seu artigo publicado em julho no jornal Folha de S.Paulo, intitulado “Hipocrisia e emoções olímpicas”, apontando a contradição do Comitê Olímpico Internacional (COI) que baniu a Rússia dos Jogos Olímpicos de Paris, em razão da invasão da Ucrânia, mas permitiu a participação de Israel – que promove o massacre aos habitantes de Gaza – e dos EUA, “o país mais intervencionista desde a Segunda Guerra Mundial”. Duas entidades sionistas emitiram nota acusando o jornalista de antissemitismo.
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O caso mais notório ocorreu em agosto, quando dois defensores de Israel, l, André Lajst e Alexandre Schwartsman, da Conib, ajuizaram uma ação criminal por “injúria” contra o jornalista Breno Altman e este foi condenado pela Vara do Juizado Especial Criminal da capital paulista a uma pena de três meses de detenção em regime aberto ou multa de 15 salários-mínimos, por ter chamado os dois autores de um artigo publicado no ano anterior de “covardes e desqualiöcados”. A Fenaj e diversas organizações brasileiras se manifestaram em solidariedade ao jornalista. Em outubro, a justiça determinou a remoção dos posts com as críticas feitas por Altman, conforme manifestação do Sindicato dos Jornalistas do Estados de S.Paulo.
O Brasil tipifica crime de racismo como crime inafiançável. O PL de Panzuelo pretende considerar a crítica a Israel e suas instituições como crime de racismo – já que antissemitismo é crime racial. É possível imaginar o que significaria para qualquer jornalista ser enquadrado nas definições extrangeira da IHRA. A proposta será analisada pelas comissões de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.
A aparente inocência de um projeto que em tese é proposto para evitar o antissemitismo no Brasil é na verdade uma armadilha contra a liberdade de manifestação e de cobertura jornalística dos crimes flagrantemente cometidos por israel. O genocídio acontece a uma dezena de milhares de quilômetros do Brasil mas procura amparo nas leis e tribunais do Estado brasileiro. E depende de derreter nossa inteligência para ser testemunhado silenciosa e impunemente.
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