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As mentiras de Israel e a cumplicidade ocidental: Farsa como arma de guerra

6 de junho de 2025, às 06h00

Bombardeios israelenses em Gaza, em 3 de junho de 2025 [Tsafrir Abayov/Agência Anadolu]

No curso de sua longa história de ocupação e limpeza étnica, Israel manteve constância em suas táticas: mentira, negação e distorção da verdade — muitas vezes, com o apoio, ou ao menos a indulgência, das potências ocidentais. Mentir se tornou uma arte para o Estado israelense, refinada por décadas a fio, praticada com impunidade e amplificada por uma mídia global cúmplice que não somente tolera como legitima ativamente tais falácias.

O mais recente massacre em um centro de distribuição de alimentos em Gaza se soma, como uma memória incisiva e aterradora, a esse padrão. Na manhã de domingo, 1º de junho, mais de 30 palestinos foram assassinados enquanto aguardavam por comida em Rafah. Como sempre, Tel Aviv rapidamente negou sua responsabilidade, ao alegar que seu exército não teria ciência de disparos no centro em questão, encabeçado por uma iniciativa americana. Testemunhas, sobreviventes, órgãos humanitárias e trabalhadores de saúde nos hospitais in loco, contudo, contaram outra história.

A negativa israelense imediatamente foi ecoada por oficiais americanos. O embaixador dos Estados Unidos — mais bem descrito como um agente de Israel no Departamento de Estado em Washington — descreveu os relatos de um massacre como “fake news”. Tamanha inversão grotesca dos fatos registrados é uma manobra bem conhecida, que nos recorda do Massacre da Farinha de 29 de fevereiro de 2024, quando o exército da ocupação israelense abriu fogo contra civis que coletavam insumos para matar a fome, com 112 mortos e 760 feridos.

Mais uma vez, Israel nega sua responsabilidade, ao insistir que as mortes resultaram de “debandadas” e civis atropelados por caminhões assistenciais. Mesmo após as Nações Unidas e redes de imprensa internacional, como a Al Jazeera, desmentirem a narrativa, com provas em vídeo que mostram claramente soldados israelenses disparando contra civis desarmados, não houve qualquer responsabilização.

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Em Gaza, não apenas as filas de comida se tornaram armadilhas mortais. Ambulâncias se tornaram alvos. Paramédicos, médicos e suas crianças foram convertidos pela lógica de extermínio a alvos militares “legítimos”.

Na semana ada, Israel alvejou a casa da dra. Alaa al-Najjar, matando nove de seus dez filhos — Yahya (12), Rakan (10), Eve (9), Jibran (8), Ruslan (7), Rival (5), Sadeen (3), Luqman (2) e Sedar — que não tinha sequer um ano de idade. Seu marido, o dr. Hamdi al-Najjar, sucumbiu de seus ferimentos dias depois. O último filho, Adam, de 11 anos, sofreu um trauma grave em sua cabeça e não deve sobreviver ao bloqueio de insumos médicos imposto por Israel a Gaza.

A resposta padrão e despudorada de Israel não tardou, ao afirmar que suas aeronaves haviam atingido “diversos suspeitos” na região de Khan Younis.

Em março, o exército israelense matou oito paramédicos, seis trabalhadores da defesa civil e um funcionário das Nações Unidas — então os enterrou em cova rasa, na areia. Então, o exército culpou “comportamento suspeito” da ambulância alvejada. Quando confrontado com provas em vídeo, o exército inverteu o roteiro: seria um “engano”, um “erro de decisão”, e “ações disciplinares” seriam tomadas. Quinze vidas foram ceifadas com um afago burocrático.

Quando forças israelenses assam sete trabalhadores humanitários da ong World Central Kitchen, em abril de 2024, o então governo americano do presidente Joe Biden expressou, a princípio, indignação. Vinte e quatro horas depois, esta foi abrandada por lobistas israelenses em Washington. John Kirby, então porta-voz da Casa Branca, voltou atrás, ao alegar que não havia qualquer evidência de ataque deliberado e absolver Tel Aviv no mesmo fôlego com que o havia condenado. Um assassinato em massa que se tornou nada mais que uma nota de rodapé.

Nada disso é novidade.

Em outubro de 2023, quase 500 civis foram mortos por um bombardeio ao Hospital al-Ahli, em Gaza. Israel logo culpou um suposto foguete palestino, que havia errado seu alvo. Horas depois de pousar em Tel Aviv, Biden papagueou a versão israelense, apesar dos abundantes testemunhos em campo, evidências que se acumulavam a cada hora e ceticismo legítimo de observadores independentes.

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Então, há o caso de Shireen Abu Akleh, jornalista palestino-americana baleada e morta em 2022. Israel, em um primeiro momento, declarou que o incidente se deu por uma troca de disparos com forças palestinas — logo desmentido em vídeo. Todavia, a mídia ocidental deu mais tempo no ar às alegações israelenses do que às testemunhas e aos peritos. Meses depois, sob o peso de evidências irrefutáveis, Tel Aviv enfim itiu sua responsabilidade — no entanto, outra vez, ao descrevê-la como um “erro”.

O soldado que executou uma cidadã americana de “segunda categoria”, como diversos outros assassinos de trabalhadores de imprensa, jamais enfrentou a justiça. De fato, foi promovido a capitão e seguiu matando com impunidade — por fim, emergiram relatos de que fora morto pela resistência palestina na cidade de Jenin.

Como as crianças assassinadas em Gaza, a verdade em si se tornou mais um dos danos colaterais da guerra de mentira e extermínio travada por Israel. Aqueles incumbidos de defender tamanha empreitada —a imprensa corporativa e instituições supostamente democráticas — não vacilaram em agir como marqueteiros e pregadores das mentiras israelenses.

O povo de Gaza não sofre apenas com os bombardeios, a fome e a morte. Sofre com o apagamento de sua existência da consciência global por uma muralha de mentiras. Até que o mundo comece a valorizar de fato as vidas palestinas, como faz com as narrativas comprovadamente facciosas de Israel, este teatro de sangue seguirá em cena.

Israel não segue impune somente de seus crimes de guerra, como também em mentir sobre eles. Tamanha impunidade não acena apenas ao campo militar; é política, moral e informacional. Israel é mestre há décadas da arte da mentira, desde a própria criação do sionismo político. O Ocidente, e sua imprensa mancomunada, normaliza a mentira, bem como normalizou a fome e o cerco de Gaza.

Israel dorme bem à noite porque o mundo — sobretudo os Estados Unidos e boa parte do Ocidente — não somente permite, como promove seus crimes. Governos e agências de imprensa ocidentais têm construído uma câmara de eco onde as narrativas de Israel sempre têm precedente — não por credibilidade, mas para impedir que o mundo saiba do que realmente segue acontecendo. Ao escolher a farsa sobre o fato, tentam fugir de sua responsabilidade moral e da urgência para que se reconcilie seus ditos valores com o genocídio que avalizaram.

Não mais se trata das mentiras de Israel — mas sim de um sistema global cúmplice em sustentá-las, como um logro endêmico para encobrir a fome e o genocídio transmitidos ao vivo; assim, lavar as mãos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.