Pareciam feitos uns para os outros. Uma ex-celebridade de reality show, com duvidosas credenciais no mercado imobiliário e uma alienação contumaz para com a verdade, ao lado de líderes dos Estados do Golfo, para quem a verdade nunca teve lá seu valor. Se o país lida hoje com uma carestia sem precedentes, crise habitacional e mesmo o preço dos ovos, ainda assim não houve economia para que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fosse recebido com onerosa breguice por seus anfitriões. Cá repousa a pura estética de Make America Great Again.
Com uma indulgência grosseira, o déspota saudita — o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman — mimou e bajulou o líder americano, não somente com sua hospitalidade como também com uma pletora de empreendimentos e acordos, durante a primeira parte da viagem de Trump à região do Golfo. Seis jatos combatentes F-15, de produção americana, pilotados por sauditas, escoltaram a Força Aérea Um em seu pouso a Riad, em 13 de maio de 2025. No terminal real, Trump tomou café e partiu em uma limosine flanqueada por garanhões árabes e uma guarda de honra decorativa armada com suas infames espadas douradas.
Tempos de luxo e mau gosto, não de empatia ou consciência. Lembranças do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado em outubro de 2018 sob ordens do príncipe, não apenas foram silenciadas como sequer transpareceram. Aquecimento global? O que seria isso? Sobre tronos dourados no palácio real, o príncipe saudita e o presidente americano se vangloriaram, um para o outro, de um brilho nauseabundo, porém triunfal. Trump não hesitou em dizer: “Gostamos bastante um do outro”. Em seu discurso, levou música aos ouvidos do príncipe: Líder internacional nenhum poderia lhe dar sermões sobre como viver ou istrar seus negócios.
Um banquete extravagante se seguiu, naquilo que poderíamos tratar como um jogo de Quem é Quem da oligarquia americana, incluindo figuras como Stephen Schwarzman, da corporação de finanças Blackstone, Jane Fraser, da Citicorp, Ruth Porat, do Google, e Alex Karp, da Palantir.
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O valor dos acordos firmados entre Riad e Washington se avizinhou de US$600 bilhões, se é que podemos confiar nos “fatos” divulgados pela Casa Branca. A natureza desses acordos, porém, é pouquíssimo clara, embora prometam cobrir pautas variadas, como defesa, segurança energética, tecnologia e minerais estratégicos. Jargões com pouca ou nenhuma clareza foram jogados aos quatro ventos, como é o caso de “infraestrutura global”. Trump, naturalmente, não itiu concessões em acordo algum, ao insistir se tratar de sua agenda de comércio e segurança nacional America First.
Um punhado de exemplos chegou a ser citado, embora seus compromissos não sejam novidade, entre os quais: o plano saudita Datavolt, para investir cerca de US$20 bilhões em centros de dados americanos e infraestrutura de energia; promessas de empresas como Google, Oracle, Salesforce, AMD e Uber para investir em “tecnologias inovadoras em ambos os países”; e acordos de defesa bastante previsíveis — comemorados como “os maiores da história”. Estimados em cerca de US$142 bilhões, estes acordos devem envolver uma dúzia de empreiteiras militares americanas, incumbidas de fornecer ao reino equipamento e tecnologia, em campos como aeronáutica, capacidades espaciais, defesa balística e aérea, segurança marítima e costeira, segurança de fronteiras e forças de infantaria, além de sistemas de informação e comunicação.

Arranha-céus iluminados nas cores da bandeira dos Estados Unidos, para a visita do presidente Donald Trump, em Doha, no Catar, em 14 de maio de 2025 [Ali Altunkaya/Agência Anadolu]
Concluída a bajulação de boas-vindas, começaram as discussões. O foco foi novamente aviação, defesa e prioridades energéticas. Notavelmente, foi assinado com o Catar um contrato de 210 aeronaves 787 Dreamliners e 777x fabricadas pela Boeing, anunciados em US$96 bilhões. A fabricante americana também a por perrengues, assolada por uma série de acidentes e questões sobre a qualidade de seus produtos. Todavia, uma panaceia milagrosa não é inverossímil no jardim das fantasias trumpistas. “Parabéns à Boeing”, arrulhou Trump. “Agora, tire esses aviões de lá”.
O contrato integrou ainda uma série de compromissos financeiros do Catar anunciados à princípio pela Casa Branca no valor embasbacante de US$1.2 trilhão. A matemática, porém, não é o forte da gestão de Trump,de modo que o mesmo anúncio trilionário se seguiu de alegações de acordos totalizando US$243.5 bilhões, entre Catar e os Estados Unidos, “incluindo a venda histórica de aeronaves Boeing e motores da GE Aerospace à Qatar Airways.” Abrangeram ainda um acordo de quase US$2 bilhões para permitir que Doha adquira o sistema de drones MQ-9B, da General Atomics, além de um pacto de US$1 bilhão para compra de outro sistema, menor, da fabricante Raytheon.
Em um esforço despudorado para competir com Riad, a família real catariana conferiu de bônus um luxuoso avião 747, no valor de US$400 milhões, para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, para que Trump o use temporariamente no lugar do Força Aérea Um. Descrito como um “palácio no céu”, o presidente não escondeu sua alegria tamanha generosidade. “É um gesto muito bonito”, balbuciou. “Agradeço bastante. Eu jamais recusaria esse tipo de oferta”.
Ansioso para não causar furor, ou assustar os camelos, Trump se comportou durante as visitas. Pouco pareceu incomodar, como em outras ocasiões, seus aliados europeus. Lá esteve o Catar, outrora acusado por Trump de patrocinar o terrorismo; agora, redimido em ouro e glória. Esqueça todas as implicações de segurança e a descarada corrupção das movimentações de Trump e de seus amigos árabes: todos não parecem ter com o que se preocupar, vaidosos, ostentosos, e sem qualquer censura.
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